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MP-SP estima passivo sem fim de R$ 6 bi em retroativos – 22/06/2025 – Poder


O Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) acumula um passivo estimado em R$ 6 bilhões em retroativos devidos a procuradores e promotores. A soma equivale a uma vez e meia o orçamento anual da instituição, que diz não ter perspectiva de quitá-la.

Especialistas consultados pela Folha criticam a falta de auditoria e fiscalização sobre esses atrasados, que, na opinião deles, refletem uma prática sistemática de concessão de benefícios, em possível drible à legislação e à separação dos Poderes.

Para o MP-SP, porém, todos os passivos são auditáveis, além de a execução orçamentária da instituição ser submetida ao controle do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

A conta dos atrasados é resultado de leis, decisões judiciais e atos administrativos que autorizaram o pagamento de valores adicionais fora do teto constitucional ou limitados a ele, mas que, somados à remuneração básica, aumentam o ganho final dos beneficiários.

O argumento é que os pagamentos são feitos conforme disponibilidade orçamentária.

Em 9 de abril, a reportagem solicitou ao MP-SP via LAI (Lei de Acesso à Informação) a relação de valores atrasados que a instituição tinha a pagar a todos os membros ativos e inativos —isto é, o total de verbas referentes a exercícios anteriores devidas a cada um deles.

A resposta dizia que a manifestação havia sido recebida e encaminhada internamente. Também indicava que o acompanhamento deveria ser feito diretamente com o órgão do Ministério Público responsável. A Folha fez novo pedido e recorreu, mas a resposta foi a mesma.

Em 21 de maio, mais de um mês depois, a instituição respondeu formalmente citando o que paga mensalmente a título de indenização por valores em atraso, sem identificar as pessoas ou justificar especificamente os pagamentos, como previa o pedido.

Em março, último mês para o qual disponibilizou os contracheques no portal de transparência, o MP-SP pagou mais de R$ 28 milhões líquidos em verbas referentes a exercícios anteriores a membros ativos e inativos. Na média, cada um recebeu R$ 13 mil a mais naquele mês.

Um procurador ganha quase R$ 42 mil —equivalente a cerca de 90% do vencimento de um ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), por volta de R$ 46 mil, o teto constitucional do funcionalismo público. Um promotor pode chegar a embolsar perto de R$ 40 mil.

A prática, porém, supera essa marca. Valores pagos a título de indenização turbinam as remunerações na forma de adicionais por tempo de serviço, parcelas para equiparação com o Judiciário e licenças que permitem pagamentos pelo acúmulo de funções.

Esses créditos não são quitados imediatamente. Podem acumular, contribuindo para a conta final de R$ 6 bilhões devidos a procuradores e promotores, que já ultrapassou o orçamento de menos de R$ 4 bilhões do MP-SP para 2025, conforme a Lei Orçamentária Anual.

Como exemplo, se os R$ 6 bilhões fossem divididos pelos 2.811 procuradores e promotores, ativos e inativos, que receberam remuneração do MP-SP em março, daria em média R$ 2,13 milhões para cada um, o que ajuda a dimensionar o peso do passivo.

Economista e autor do livro “O País dos Privilégios”, Bruno Carazza diz que, embora astronômico, o valor não surpreende, porque reflete uma mecânica de concessão de penduricalhos que está se tornando cada vez mais frequente, tanto no Judiciário quanto no Ministério Público.

A deliberação sobre a validade desses pagamentos ocorre sem o devido crivo da sociedade, afirma Carazza. A maioria desses penduricalhos é resultado de uma interpretação legal, e o cálculo dos valores não é submetido a uma auditoria.

“Temos visto uma proliferação dos pagamentos retroativos de pleitos realizados há muitos anos, muitas vezes décadas, com valores questionáveis sobre a correção monetária e os juros, sem nenhuma auditoria externa sobre se esses cálculos são corretos ou não”, diz.

A Folha mostrou nos últimos meses que o MP-SP aprovou um penduricalho de R$ 1 milhão a promotores, que o órgão contabiliza tempo de estágio para conceder mais benefícios e que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, é um dos que já receberam valores por ter feito parte da instituição.

Poucas carreiras acumulam passivos semelhantes, diz Rafael Viegas, professor na FGV-SP e pesquisador na Enap (Escola Nacional de Administração Pública). As mais comparáveis seriam as de magistrados e conselheiros em Tribunais de Contas, mas R$ 6 bilhões é um montante excepcional até entre as elites do funcionalismo.

Esse total “indica uma prática sistemática e acumulativa de concessão de benefícios” em uma lógica “que privilegia aumentos indiretos de remuneração, pela via administrativa e discricionária, que cria rubricas e reconhece passivos como se fossem dividendos”, afirma.

Thiago Marrara, professor de direito administrativo da USP de Ribeirão Preto, diz que a legislação que regulamenta o funcionamento do Ministério Público garante essas verbas indenizatórias e nega classificá-las genericamente como inconstitucionais.

O problema seria criar vantagens como compensação por aquilo que já deveria ser coberto pela própria remuneração do trabalho, não em receber o que está previsto em lei —e sim em criar novas rubricas e fixar valores para elas de maneira desproporcional.

“E vem essa estratégia de conseguir aumentos de remuneração sem lei”, afirma. “No fundo, mexer nesses adicionais dá um drible no Legislativo, que deveria aprovar por lei o aumento de remuneração. É isso que acontece. É uma maneira de driblar a separação de Poderes.”



Fonte: Folha de São Paulo

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