Integrantes do centrão têm se queixado de vídeos com críticas aos partidos do grupo produzidos por inteligência artificial e divulgados nas redes sociais.
Eles dizem enxergar uma atuação do governo Lula (PT) por trás, apesar de não apontarem provas disso, já que os filmetes repetem a retórica da luta entre pobres e ricos, incentivada pelo Palácio do Planalto nas últimas semanas, e com ataques ao Congresso Nacional, onde os parlamentares são identificados como “inimigos do povo”.
Um dos vídeos que virou alvo dessas críticas cita nominalmente os partidos PL, MDB, PP, PSDB, União Brasil e Novo como inimigos, afirmando que eles “só jogam contra o povo e contra o Brasil”.
A avaliação de quatro líderes ouvidos pela reportagem é de que isso pode acirrar ainda mais os ânimos entre Executivo e Legislativo na volta do recesso parlamentar —o governo e o Congresso encerraram o semestre em conflito e com uma lista de contas a acertar a partir de agosto.
O presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), insinuou a participação do governo nesses vídeos em publicação nas redes sociais nesta quinta-feira (24) e falou em buscar instalar uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar os financiadores desses filmes.
“Desde que o governo começou a naufragar, há uma proliferação de ataques nas redes sociais, com vídeos de IA, muitos deles apócrifos. Já passou da hora de uma CPI da propaganda e das milícias digitais para investigar se há dinheiro público envolvido. Prioridade para agosto!”, afirmou.
A ideia de Ciro Nogueira para coletar assinaturas e instalar uma comissão é endossada por outros dois líderes do centrão, que falaram sob reserva à reportagem. Segundo eles, é possível chegar ao número necessário para protocolar o requerimento de criação da CPI e não haveria obstáculos por parte dos presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).
Isso porque os dois congressistas também têm sido alvo de críticas nas redes sociais.
O caminho, afirma uma liderança, é pedir a quebra de sigilo desses perfis para conseguir identificar ao certo quem está por trás dessa iniciativa. Esse parlamentar classifica esse movimento coordenado de ataques como uma milícia digital.
Um cardeal do centrão defende um distensionamento da relação com Executivo, mas cobra postura ativa do governo federal para coibir esses vídeos com ataques a partidos e ao Congresso como um todo. Ele afirma que o Planalto precisa de votos no Legislativo para aprovar matérias de interesse, diante de uma base de apoio instável, e que integrantes do governo erram ao achar que não haverá uma resposta dos parlamentares a esses ataques.
Ele diz ainda que o momento exige unidade dos políticos para enfrentar o cenário das próximas semanas, com a provável aplicação da sobretaxa de 50% sobre produtos importados do Brasil anunciada por Donald Trump.
Governistas negam qualquer participação do Executivo nesses vídeos específicos, alegando que a disputa política nas redes é algo natural e que não se pode cercear a ação da militância. A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT) rebateu a declaração de Ciro Nogueira e classificou como um “devaneio” do senador.
“CPI precisa para investigar os crimes de lesa pátria que Bolsonaro e seu filho traidor estão praticando contra o Brasil com o apoio do Ciro Nogueira. Vergonhoso”, disse à Folha.
Um aliado de Lula afirma que esse incômodo entre partidos do centrão ocorre porque a esquerda tem conseguido fazer frente à direita nas redes sociais. Outro auxiliar do petista diz que esse ambiente digital é impulsionado pela disputa política e que se o que é falado nas redes dialoga com o sentimento das pessoas o resultado é um alcance maior dessas mensagens.
Um interlocutor do presidente lembra que a federação União Progressista também divulgou vídeo feito com inteligência artificial para rebater peça divulgada pelo PT em defesa da justiça tributária. “É hora de rachar a conta do Brasil de forma mais justa. O povo tem que pagar menos. E a companheirada tem que parar de gastar mais”, dizia o vídeo da federação.
A Folha mostrou que o PL de Jair Bolsonaro começou a pagar pelo impulsionamento de publicações nas redes sociais, em resposta à ofensiva petista que deu fôlego ao governo Lula nas últimas semanas. Enquanto o PT havia pago para ampliar o alcance de um vídeo que associa Bolsonaro ao tarifaço de Trump e começou a disputar as cores verde e amarela com a direita, o PL lançou uma campanha que culpa Lula pelas tarifas.
Um senador da base aliada de Lula diz ainda que a disputa política é saudável, desde que não haja desrespeito às leis. Ele afirma que não há atuação do governo para atacar qualquer partido ou político.
O secretário de Comunicação do PT, Jilmar Tatto (SP), rebate as acusações. “Nunca fizemos vídeos contra o centrão, contra o Parlamento, isso não faz parte da nossa estratégia, até porque seria burro de nossa parte, já que precisamos desses partidos para aprovar projetos estratégicos para o governo”, diz.
“Agora, cada um que se defenda. Na hora que o PT apanha, eles ficam quietos”, afirma Tatto.
Líder do PT na Câmara, o deputado Lindbergh Farias (RJ), diz que, se alguém do governo estiver nessa linha política, essa pessoa estará errada. “Esses ataques não fazem parte da nossa estratégia.”
Ele também defende que o Congresso faça um debate profundo sobre a regulamentação das redes e da inteligência artificial, sobretudo às vésperas de um ano eleitoral.
Fonte: Folha de São Paulo
