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Marcelo Beraba: É difícil ser jornalista sem ceticismo – 28/07/2025 – Poder


O jornalista Marcelo Beraba, que morreu nesta segunda-feira (28) aos 74 anos, assinou coluna na Folha no período em que dirigiu a sucursal do Rio e também como ombudsman.

Beraba ingressou na Folha como repórter da sucursal do Rio de Janeiro. Em quase três décadas no jornal, foi repórter, diretor da sucursal do Rio de Janeiro, editor de política, além de secretário de Redação, ombudsman e repórter especial.

Utopia urbana

RIO DE JANEIRO – Estive na semana passada em Palmas, a capital do Tocantins, que acaba de completar 12 anos. Uma criança. É impossível não deixar de olhar para aquela parte do Brasil, que está para ser construída, sem pensar no resto do país mal construído.

Tantos anos de jornalismo, de convivência quase diária com irracionalidades e desmandos públicos, aguçam o ceticismo. É difícil ser jornalista sem alguma dose de ceticismo. O país em que vivemos reforça essa angústia. Impossível não questionar. E, ao conhecer e observar Palmas, baixou-me a dúvida de sempre quando me deparo com qualquer projeto público, principalmente os megas.

A cidade não tem engarrafamentos nem favelas. Os índices de violência são pequenos, mesmo agora com a greve da PM. Mas a cidade cresce sem parar. Há cinco anos, eram 86 mil habitantes. Agora, já são quase 140 mil. Segundo o IBGE, um crescimento anual de 12%.

Vai haver tempo e vontade política para dotar a cidade de saneamento básico, de política habitacional, de regras urbanas civilizadas? Ou daqui a dez anos vamos ver uma minirrepetição de Brasília, com o Plano Piloto degradado pelo crescimento irracional da cidade e do seu entorno?

O otimismo dos palmenses é contagiante. Estrangeiros, desbravadores, “oreias secas” (como chamam os peões pioneiros), todos se sentem construindo uma cidade nova, um país novo, uma vida nova a partir dos pressupostos do planejamento urbano, do crescimento sustentado, da igualdade de oportunidades.

Mas as dúvidas procedem. Palmas é a última cidade do último milênio ou é a nova cidade do novo milênio? É o último exemplo de um ciclo de irracionalidade que se conclui ou é o primeiro caso de um novo ciclo que se inicia? A cidade, que se pretende capital nacional da preservação ambiental, está diante do seu destino.

Credibilidade e transparência

A 26ª Conferência Anual da ONO (Organização de Ombudsmans de Notícias) e o Fórum Folha de Jornalismo, realizados ao longo da última semana em São Paulo, giraram em torno de um ponto que hoje deveria ser a principal preocupação dos jornalistas e dos meios de comunicação: a credibilidade.

Foram apresentadas várias pesquisas e análises que comprovam que a indústria jornalística tem motivos para se inquietar. Mesmo em países como o Brasil, em que os índices de confiança nos meios são altos (Ibope/Opinião, maio de 2005) e a imprensa goza de mais prestígio que os governos (BBC/Reuters/Media Center Poll, maio de 2006), é tensa a relação entre um público cada vez mais exigente e as empresas envolvidas em uma grande disputa pelo mercado.

Houve muitas críticas em relação ao jornalismo que está sendo feito em várias partes do mundo. Chato, aborrecido, sensacionalista, superficial, desfibrado, distante dos interesses das pessoas, mal apurado, de entretenimento e celebridades, comercial, irresponsável, descontextualizado —a lista de adjetivos negativos é imensa. É curioso que, muitas vezes, o que para uns é virtude, para outros é defeito.

O jornalista Andres Oppenheimer, do Miami Herald e especialista em América Latina, foi o mais contundente na crítica aos jornais. Na opinião dele, os diários perdem leitores porque não conseguem atendê-los: são repetitivos, previsíveis e chegam com notícias envelhecidas. “Os jornais [como são feitos hoje] estão moribundos, estão a caminho da morte.” Ele acha que, para enfrentar a velocidade de circulação das informações, eles deveriam ser mais analíticos, mais investigativos e terem um controle mais rigoroso daquilo que editam para que sejam mais confiáveis do que “o dilúvio de informações” que nos afoga.

Não há consenso em relação ao futuro do jornalismo, mas os ombudsmans estão de acordo sobre a necessidade de os meios se aproximarem mais de seus públicos e de se tornarem mais transparentes. Transparência, no caso, significa prestar contas, deixar claro os valores que defendem, os interesses econômicos e políticos a que seus grupos empresariais estão associados, seus métodos de trabalho interno, suas fontes de faturamento, seu desempenho econômico e os recursos de que dispõem para melhorar a qualidade do produto que oferecem.

Germán Rey, pesquisador e ex-ombudsman do El Tiempo, de Bogotá, chamou a atenção, ao falar sobre a imprensa latino-americana, para a incoerência dos meios que cobram a prestação de contas dos governos e exigem comportamento ético dos políticos, das empresas e das pessoas, mas que não se dispõem a prestar contas, não se submetem aos mesmos escrutínios que impõem nem respeitam os mesmos valores que cobram.

Os meios querem vigiar a política, comentou Rey, mas não se deixam vigiar. A questão, claro, não é deixar de fiscalizar, mas de ser coerente com os princípios que elegeram.

A iniciativa de transparência que mais me impressionou foi a do diário britânico The Guardian. Segundo seu ombudsman, Ian Mayes, presidente da ONO, o jornal contratou uma empresa para fazer uma auditoria social que investigou desde itens como a política de contratação de pessoal até a origem do papel que o jornal compra (para saber se é fabricado por empresas que provocam problemas ambientais). A auditoria revelou, por exemplo, que o jornal nem sempre pagava em dia os seus credores. Fica a sugestão.



Fonte: Folha de São Paulo

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